Tic, tac, tic, tac... e amanhã pode já não ser amanhã.

domingo, janeiro 15, 2017

@photobyMarleneBarreto
Levantar, vestir, lavar o rosto, os dentes, acordar a criança, dar-lhe de comer, vesti-la, vestir-te, abrir a porta, fechá-la, entrar na empresa, dar os bons dias, sentar, colocar os phones, trabalhar… o relógio marca horário de almoço… almoças e voltas para trabalhar mais um pouco. O telefone não pára de tocar . As encomendas chegam, novos pedidos precisam de ser feitos. Os dedos teclam freneticamente no teclado do computador enviando e-mails, e muitas vezes as respostas não chegam. Antigamente, com uma conversa tudo se resolvia, hoje em dia sem um e-mail, nada acontece.
Um tempo para o teu cigarro e café, tens? Claro que sim, estás deserta. Então vai lá.
Esboças um sorriso à colega do lado que está na sala de fumadores ao mesmo tempo que tu. Não se conhecem mas já se cruzaram algumas vezes. Trocam meia dúzia de palavras (assim tudo pela superficialidade) e sobes até ao escritório para continuar o que estavas a fazer antes da pausa. E assim se passam horas até bater o ponteiro no horário de ir para casa.

“Que felicidade”, dizes para ti própria em forma de pensamento. 

O teu momento mais feliz do dia é o do arrumar a secretária, desligar o computador e dizer “até amanhã”.
Mas espera... antes de ires para casa, tens ainda o teu filho para ir buscar à escola. Sinto muito dizer-te mas ele teve tão entretido o dia todo, que nem deu pela tua falta. Falas-lhe que antes de chegar a casa, terão de passar no supermercado e ele, simplesmente, concorda e apressa-se a pedir-te um presente. Sempre que te sentes culpada pela tua ausência não hesitas e dizes-lhe que “sim”, mas hoje não era o dia … estavas frustrada: 

“Só se te portares bem”, disseste-lhe.

Deixa-me que te questione: O que significa o teu filho portar-se bem?
 
Será não fazer uma birra de criança? Não espalhar todos os brinquedos pelo quarto como fazem todas as crianças? Não passar horas a fio atrás de ti chamando: "Mamã, Mamã …"
 
Achas que consegues ser mais exata na tua explicação?

Vens cheia de sacos e ele é pequeno demais, não te consegue ajudar. Nisto, o teu marido saíu mais cedo do trabalho e chegou a casa primeiro.

“Poderias ter começado a fazer o jantar”, pensas mas não lhe dizes.

Dás-lhe um beijo morno (e atenção que morno é aquela temperatura tépida  e esquisita que nem se sente nem deixa de se sentir) e vais para a cozinha. Ele entende a tua estranheza mas não te quer encher com perguntas e toma que é o cansaço a apoderar-se de ti.
Falta o jantar e o banho do teu filho. E enquanto deixas a comida ao lume ( assim como quem tem um olho no burro e outro no cigano), colocas o be na banheira e pedes ao teu marido, gentilmente, para que ponha a mesa.

“Sim, claro”, respondeu-te de imediato.

Tu já terminaste a tua tarefa e e ele ainda está a finalizar a dele. Não falas mas quem te conhece bem sabe o que estás a pensar:

“Como é que eu já fiz milhares de coisas e peço-lhe para pôr a mesa e ele ainda nem conseguiu chegar ao fim?!”…

Vê-se pela tua cara que isso te faz confusão, sentes-te injustiçada e o teu sentimento roça a vitimizaçao e em nada encontras o lado positivo. Pior do que tudo, é permaneceres calada.
Enfim, sentam-se para jantar e aproveitam para falar:

“Como correu o teu dia, amor? ”, perguntou ele.

“Oh igual a todos os outros” respondeste enquanto repreendias o menino que estava a fazer a maior badalhoquice com a sopa.

Depois mudam a temática. O vosso filho tem de ir ao pediatra e tu não sabes se vais conseguir despachar-te a tempo . Está a aproximar-se a reunião de apresentação de contas e tu andas a mil lá na empresa.

“Poderias ir com o menino à consulta? É que vai ser difícil libertar-me a horas por causa do fecho de contas”.

“Claro que posso, quando  é ?” respondeu-te prontamente. 

E a tua cabeça começa logo a trabalhar que talvez ele se esqueça de falar da febre que o menino teve na semana passada, das borbulhinhas que lhe têm aparecido no corpo de vez em quando … enfim, descartas logo a hipótese do teu marido o levar ao pediatra. Como sempre, Tu vais conseguir.
Depois, enquanto ele levantava a mesa, punha a loiça na máquina e dava uma varredela rápida ao chão da cozinha, tu foste ao telemóvel para ver se tinha chegado um zap ou um e-mail da empresa. Nada demais, tudo tranquilo. De seguida, vais deitar o be e rezas para que ele tenha uma noite descansada, aliás isso é mais uma questão a referir no pediatra… ele não dorme bem e tu estás a enlouquecer.
São 22h30 e finalmente, sentas-te no sofá. 

“Ufa!!!! Estou estafada”, disseste

“Enrosca-te a mim, amor”; pediu o teu marido. 

Puxas a manta preta que está exemplarmente dobrada na chez longue e tapas-te recostada a ele. Assim que te recostas é literal, cais para o lado. Ainda sentes o seu beijo e ele dizer-te ao ouvido:

 “Sabes que te amo, não sabes?” … 

Mas a voz já está tão ao longe que a força de responder já não existe. A tua energia foi sugada e deixas-te dormir que nem pedra.
E se antes foste tu a levar o teu filho para dormir, agora é o teu marido que te transporta ao colo até à vossa cama, para evitar que acordes a meio da noite deitada no sofá e com dores nas costas. O despertador está automático e amanhã vai tocar à hora de sempre  para mais um dia igual a todos os outros.

No meio disto tudo, faço -te 2 perguntas:
Tu existes?
Achas mesmo que é no piloto automático que está o verbo Viver?

Por acaso, reparaste que o teu marido colocou o CD da Narah Jones ao jantar? Suponho que não, estavas demasiadamente preocupada com a tua vitimização. Percebeste que o teu filho te disse que gostava de ti antes de dormir? Apenas não reparaste porque estavas focada em ser tão perfeita que só lhe querias ler a história do menino Mogli até ao final. Viste que  a tua amiga te mandou um vídeo super inspirador : “ Reinvent your Life - Charles Bukowski”? Claro que não, estavas a sofrer por antecipação com o grupo de trabalho do WhatsApp.   
Foi mais um dia e tu nada viveste, e desta forma se faz mais um risco no calendário da vida.
O relógio nunca pára … tic, tac, ti, tac e amanhã pode já não ser amanhã e podes já não conseguir ouvir o despertador que continua no automático.
Ouve o silêncio mesmo quando ele não tem nada para dizer. São esses os momentos em que a alma sussurra e te mostra o caminho que tens de seguir. 
Aconselho vivamente a viver esta experiência de forma acordada. 



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